05 abril 2013

Sobre paixão, amor e entusiamo

O problema é que na paixão a gente se desgasta demais. Tudo é muito. É desmedida. É tudo ou nada. 
 
A paixão não conhece o meio termo. É autoritária, não faz acordos, entra sem permissão. Nos faz invadir o Outro com força bruta, por isso machuca tanto. Por isso desarruma demais.

Ela nos deixa exaustos de tanto querer mais o outro do que a nós mesmos. Por isso muitos casais já começa a namorar em regime de cárcere privado.


|A paixão é como Deus, que quando quer me toma todo pensamento. Dirige os meus movimentos. Meu passo é dela, meu pulso é desse todo poderoso sentimento.| Diz a música cantada por Maria Rita.

E quando acaba, ela, a paixão, nos deixa quase sempre devastados de tão cansados do gasto de tudo. Por isso é comum não sobrar espaço ao menos para um “Oi, tudo bem?”

O fim de uma paixão avassaladora anula a possibilidade de um mínimo contato. Nos tornamos estranhos um para o outro e parece que nada existiu. Só restam cicatrizes e a certeza de que não foi dessa vez. 

 
A paixão desconhece certezas. É o principio de prazer negligenciando o principio de realidade. É limitada, porque só nos revela um lado da moeda. O lado da urgência, do tesão, do deslumbramento.

Mas não é de todo mal. Afinal de contas, há corpo, há pele, há o êxtase de sentir-se exclusivo, mesmo que por breves semanas ou meses. É a experiência do início, meio e fim de uma paixão que nos ensina a cartilha dos erros e acertos, que nos ajuda a diferenciar com o tempo o que é paixão, o que é amor e o que é apenas entusiasmos.  
 
|Só deseja um amor saudável, quem já viveu uma paixão dilacerante. Porque a paixão corroía tudo por dentro até tirar o fôlego, mas até a dor parecia bonita: aquele único instante de felicidade com o Outro compensava os trezentos outros de infelicidade.| Compartilha a escritora Ana Jácomo.


A paixão no fundo é quase sempre essa busca louca por a gente mesmo em corpos e subjetividades alheias. É como se ela fosse um tipo de amor que ainda não sabe ser amor, porque ao invés de libertar, aprisiona. 

Mas há quem diga também que o amor é superestimado. Ou como diria Lacan |Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer.|

Entre paixões, amores e entusiasmos, fazemos girar a roda da vida, acreditando que uma vida a dois, parece mais interessante do que acordar sozinhos ou sozinhas abraçando um travesseiro.

                                                                                                                                                 Mazes.

15 outubro 2012

Padrões que não cabem em mim


Parece que ao longo das décadas, nós, homens, assim como as mulheres, passamos a sermos agredidos pela mão da imposição do corpo ideal. Quando nosso corpo não cabe nos moldes “esperados” (leia-se sarado, alto forte olhos azuis, negão gigante com pau idem ou coisa do tipo), somos retirados do lugar de homem desejável e deslocados para o lugar do homem acomodado, preguiçoso, displicente e tantos outros nomes aos quais queriam nos nomear.

A imposição da estrutura corporal ideal para os homens, embora não seja evidentemente declarada, existe e coloca muitos homens na mesma fragilidade e dilema que acometem as mulheres que não cabem no modelo Juliana Paes. O agravante nesse caso parece ser o sentimento de culpa experimentado por nós, meros mortais convidados a nos retirar da morada dos deuses de corpos perfeitos. 

Na intenção de voltar para o palco dos deuses, estamos diariamente superlotando as acadêmicas da vida. Lutando severamente contra sua natureza e o tempo, muitos homens tentam alterar seu biótipo na marra, ou melhor, na barra, estando assim aptos a competir com o Malvino Salvador. 

Claro que cuidados com a saúde são e sempre são importante para todos nós, independente de qual lugar nos coloquem. Mas vale pensar que a forma como iremos nos relacionar com nosso corpo talvez seja mais importante do que o estado físico em que ele se encontra.

Lembro de Mateus dizendo que era filho de um pai que desde sempre foi atleta (professor de caratê, jogador de futebol quase profissional), mas que ele nunca consegui desenvolver apreço pelo exercitar, pelo menos não no sentido do exercício físico. A arte o havia ganhado desde muito cedo e seu principal exercício sempre foi o imaginar, criar, ler, escrever, contemplar... O que acabou (ou não) ocasionando uma protusão discal acentuada - |a protrusão anormal de um órgão ou outra estrutura do corpo através de um defeito ou uma abertura natural em um invólucro, cobertura, membrana, músculo ou osso| - que o impediu desde sempre de fazer alguns muitos esforços físicos.

Eu percebia que em Mateus, não era só a questão da protusão. Na verdade ele, assim como muitos outros homens, parecem mesmo não possuir vocação para ir quase que diariamente a academia pegar peso e, na maioria das vezes, comparar seu nível de testosterona com a dos outros rapazes, tão inseguros quantos eles, tentando construir cada um uma capa mais forte para sua existência. Há um grande engano no universo masculino em querer conferir poder usando meu corpo como parâmetros para afirmar “masculinidade” e “gostosura”. 

Em algum momento da nossa existência corpórea o culto ao corpo deve ter sido saudável, mas parece que agora o que antes parecia uma escolha natural virou uma violenta imposição. Agora não é como gostar mais de Caetano do que do Chico Buarque. Agora é ter que comprar o pacote inteiro e gostar muito de toda MPB.

A ideia de “qualidade de vida” está malfada por não respeitar os limites e interesses individuais e por não nos responsabilizar por nossos desejos singulares. Querem nos vender um pacote ideal de felicidade/saúde e nós nos equivocamos assim como fazemos com as medicações, achando que a mesma pílula irá trazer o mesmo efeito para pessoas diferentes.

Estudiosos do chamado mundo moderno, caracterizam o termo como uma tentativa de dizer um bom para todos, um bem viver para todas as pessoas. Fico junto com o filósofo italiano Giorgio Agamben e outros que conseguem pensar nos novos contextos de vida de maneira ampliada, propondo a substituição do termo “qualidade de vida” por “vida qualificada”. Onde, segundo o Agamben, o substantivo não é mais ‘qualidade’, e sim a ‘vida’. 

Há muitas pessoas que estão a seu modo buscando ter um corpo mais saudável e a acadêmica é uma das alternativas que auxiliam nesse processo. Mas ela é uma das alternativas e não a única. Sigamos então caminhando - literalmente - tentando inventar uma satisfação pessoal que nos proporcione uma vida qualificada do jeito que melhor nos servir. Não mais insistindo em padrões que não cabem em nosso corpo.

Mazes

24 agosto 2012

Depois de agosto é sempre setembro


Agosto sempre será um mês estranho para os especialistas do tempo do mundo. Ontem ouvi vizinhos comentando que até mês passado tudo parecia mais tranquilo, mas foi o mês oito chegar e 2012 já brinca de querer se despedir. Sujeito estranho esse agosto. De lutas, de lutos, de frio profundo, de embaraço, de qualquer gosto, de gosto ruim... 

Agora são seis e pouca da manhã e o sol parece não querer nascer. Estou sozinho. Ou melhor, estou sozinho sentado num banco, porque dizer assim fica mais poético para frase que vem a seguir. Faz que quer chover no céu azul escuro quase negro de Recife.  Vim sem guarda chuva, deixei na cama quando acordei. 

As árvores se agitam com o forte vento frio, em contraste com os calmos e poucos passantes na rua, indo para suas obrigações, querendo não chegar. No chão as folhas amadurecidas dançam um balé em movimentos circulares. Talvez na tentativa de voltarem à terra de onde foram originadas, braços da mãe. Mas encontram apenas asfalto e poeira para descansarem. Não demora e as folhas serão varridas por algum auxiliar de serviços gerais da faculdade que custa caro. “Na cidade a natureza é meio morta...”. Apesar da dureza do cimento, pássaros ainda executam a sinfonia do assovio entre os galhos. 

Sinto os primeiros pingos se aproximarem e tocarem meu rosto, mas ignoro, porque os tantos livros lidos sobre zen budismo tinha que servir pra alguma coisa, afinal. Para o budismo, a dor não é uma realidade, é uma percepção. Segundo Buddha, nem mesmo a morte é real.

Vejo um menino em idade tenra carrega sua mochila pesada e ir calmo em busca do saber escolar. Eu, menino em idade adulta, me despeço da paisagem carregando também minha mochila pesada, mas vou apressado buscar meus sonhos de homem de vinte e poucos anos. Que não quer ficar pra titio. Que não quer ficar pra trás. Que não quer perder tempo. Que não quer endurecer.

O inevitável acontece e finalmente chove no coração da cidade grande. A água vai molhando praças, avenidas e faz acelerar o tempo, porque agora alguns passantes correm para se protegerem da chuva. Que incomoda, verdade, mas que também limpa, renova e nutre.

"Uma chuva nunca é o resultado de um céu carregado de nuvens escuras, é um acontecimento excepcional; assim como se chovesse ouro líquido, a chuva brilha, e se você está dentro dessa chuva (digo "dentro" porque "debaixo" é muito pouco para expressar o envolvimento), ela é morna, revigorante, gostosa. Você vive dentro dessa chuva amarela como os girassóis de Vang Gogh, e nem no mais rigoroso inverno você está triste. Você celebra."

Abraço meus braços para o dia que nasce, não tenho mais medo de sentir o gosto da vida. E é assim que me preparo para a chegada triunfal do mês seguinte. O bom de agosto, é que depois é sempre setembro.


Mazes.

26 maio 2012

O amor em apenas um ato


Comecei arrumando a estante de livros e quando vi já tinha percorrido cozinha, banheiro, sala e quarto. Sai limpando tudo com força, raiva e desespero. Até as paredes esfreguei na tentativa de deixar tudo em estado novo, como quando nós estávamos procurando um lugar pra morar. 

Enquanto arrumava a casa, pensava que estava assim arrumando nossa bagunça, tua sujeira... Quando me dei conta lá estava eu esfregando o piso da escadaria do prédio, misturando minhas lágrimas transparentes com a água sanitária suja. Vi que era hora de parar quando vi minhas mãos calejadas sagrando. O porteiro solidário me socorreu e enquanto me ajudava a estancar o sangue me perguntava insistentemente: "Está tudo bem, senhor?" 

Queria chegar ao meu limite, vencer o cansaço da minha espera, a falta de entendimento, do espaço oco que você deixou nesse apartamento, mas o máximo que consegui foram as mãos enfaixadas, uma casa limpa e a cama ainda vazia sem você. 

E assim tem sido os dias: eu procurando você em cada ponto da minha existência, sem achar. Procurando pelos cantos qualquer coisa que me dê referencia sobre onde você pode ter ido. 

Quando o carteiro chegou ontem aqui em casa, tive medo da correspondência que ele podia estar trazendo em mãos. Medo de que talvez fosse você me dando notícias, dizendo que não ia mais voltar, mas era o livro do Bauman que você encomendou antes de ir embora sem me deixar saber onde você ia. Não sei se senti alívio por não concretizar seu adeus ou aflição de pensar que suas correspondências iriam continuar a chegar e você não mais estaria aqui pra receber.

A peça do Ulisses estreou essa semana, acho que você esqueceu do quanto ele nos queria lá prestigiando mais esse trabalho. Ao me ver chegando sozinho no teatro, me olhou como alguém que sabia de tudo que eu estava vivendo nas últimas semanas, embora eu não tenha lhe falado nada. Não perguntou por você, entendeu que eu não sairia sozinho de casa se você estive aqui na cidade. 

Mazes.

09 maio 2012

A vida é por um triz...

Se gente grande bem soubesse, aproveitaria o dia como muito mais entusiasmo pela arte que é viver e não perderia muito tempo se protegendo dos riscos. Porque é a arte de viver e não a vida, que permite ao homem saborear os dias fazendo sentido pra si e para os outros. Nos permitiríamos ser plenos e entregues agora, diante da dor ou das alegrias que de forma alternada vem nos visitar. Se o que ama bem soubesse, pediria em namoro, noivado ou em casamento a pessoa amada e não se apegava a ideia ilusória de que temos todo tempo do mundo para experimentar o outro. Se nós entendêssemos sobre a brevidade da vida e a importância do hoje, não levaríamos anos adiando sonhos e iniciativas tão urgentes. E deixamos o abraço pra depois, o pedido de desculpas pra quando a mágoa passar, o carinho que devia ter sido dado hoje pra outro dia... Mas a gente não sabe ou apenas esquece do quanto a vida é frágil e que uma dor no peito pode ser o convite para habitar um outro plano espiritual. Se a gente bem soubesse, amaria hoje pra sentir saudade boa amanhã, mas a gente não sabe ou apenas esquece.

Em memória aquele que eu nunca cheguei a conhecer.                                                    Mazes.